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O caso Dora (1901 - 1905)
 

Prefácio

 

Freud aborda a dificuldade de apresentar um caso clínico de um tratamento psicanalítico. Uma delas é porque “as causas das doenças histéricas se encontram nas intimidades da vida psicossexual dos doentes e os sintomas histéricos são expressão de seus mais secretos desejos recalcados.” (pg. 174)Os esclarecimentos necessários para compreensão deste caso se agruparam em torno de dois sonhos. Se ficaram lacunas foi porque Dora decidiu interromper o tratamento. Diferente de como foram conduzidos os tratamentos apresentados em Estudos Sobre a Histeria (o trabalho partia dos sintomas e se impunha a meta de desfazê-los um após o outro), agora Freud deixa “o próprio paciente determinar o tema do trabalho diário” e ele parte “da superfície eventual que o seu inconsciente lhe oferece à atenção”. (pg. 180) Tecnicamente, agora o trabalho do psicanalista pode ser comparado ao do arqueólogo e de um restaurador.

 

1.O QUADRO CLÍNICO

Freud ratifica a importância da interpretação dos sonhos para o tratamento das neuroses. “... o sonho representa um dos caminhos pelos quais pode atingir a consciência o material psíquico que, em virtude da aversão que o seu conteúdo provoca, foi bloqueado da consciência, recalcado, e assim tornado patogênico”. Sobre o início do tratamento, Freud afirma: “Inicio o tratamento com a solicitação de que o paciente me conte sua história e fale de sua doença, mas o que então venho a saber ainda não basta para me orientar. Esse primeiro relato pode ser comparado a um rio não navegável, cujo leito é, num momento, obstruído por rochedos e, em outros, dividido e tornado raso por bancos de areia” (pg. 185) Assim, enquanto alguns períodos da vida do paciente parecem sólidos, organizados e coerentes, outros parecem sem nexo, enigmáticos, lacunares e frágeis. Nosso objetivo como psicanalista deve ser remover todos os sintomas possíveis e substituí-los por pensamentos conscientes, e podemos estabelecer como outro objetivo, teórico, a tarefa de curar os danos de memória do paciente” (pg. 187).

 

Além de solicitar que o paciente fale da sua história e da sua doença, Freud também considera importante, antes de mais nada, investigar as relações familiares dos pacientes. No caso de Dora, ela teve uma vida familiar tipicamente edípica, sendo ela próxima do pai, e o seu irmão mais chegado à mãe. Para compreender o sentido dos sintomas, Freud tenta relacioná-los ao contexto em que surgiram. Seu relato é detalhado e cuidados em relação as datas significativas, ordem dos eventos, as pessoas envolvidas e os sintomas apresentados. Assim ele concluiu tratar-se de um caso clássico de “petite hystérie com os sintomas somáticos e psíquicos mais comuns: dispneia, tosse nervosa, afonia, possivelmente enxaquecas, também ânimo deprimido, insociabilidade histérica e um taedium vitae provavelmente não muito sincero” (pg. 195).

 

Para compreendermos a formação de um sintoma histérico precisamos considerar que ele requer uma complacência somática e que ele tende a se repetir. “Pelo que posso ver, todo sintoma histérico requer a contribuição de dois lados. Ele não pode se produzir sem alguma complacência somática, que é proporcionada por um evento normal ou patológico num órgão ou ligado a ele. Não se produz mais que uma vez – e a capacidade de se repetir é da natureza do sintoma histérico – se não tem uma significação psíquica, um sentido” (pg. 216). O sintoma de mau-humor de Dora era produto de uma defesa que consistia em dirigir autorrecriminações para outras pessoas, como costumam fazer pacientes paranoicos. Trata-se da mesma lógica defensiva frequentemente utilizada por crianças que revidam acusações com o argumento “quem chama é que é”. Alguns sintomas de Dora eram decorrentes de processos de identificação com pessoas significativas, como o pai, o irmão, a tia, a prima e a sua preceptora. Neste sentido, quando certa vez a paciente queixou-se, Freud interveio com a pergunta “Quem você está imitando com isso?” e assim permitiu que Dora se torna-se consciente dessas identificações e dos motivos pelos quais elas estavam acontecendo.

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