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Casos Clínicos da Psicanálise - 1) Anna O.

Atualizado: 20 de ago. de 2021



CASO ANNA O. (1880, Breuer)

PARTE 1 – O CASO

A paciente do Dr. Breuer (amigo de Freud) tinha 21 anos, sempre foi saudável, inteligente, com um agudo senso critico, solidária e de dotes poéticos. Sua família era puritana, e sua vida era monótona de afazeres domésticos. Em julho de 1880 seu pai adoeceu e ela ficou de cuidadora. Aos poucos ela foi adoecendo também. Ficou com anemia, fraca, sem vontade de comer, e muita tosse. Em dezembro surgiu o estrabismo e dores de cabeça. Anna teve que ficar de cama. Surgiram sintomas tipicamente histéricos, como anestesias, paresia, rigidez e contratura da musculatura. Breuer reconheceu um problema psíquico: dois estados de consciência que se alternavam. Num deles ela era uma pessoa normal, embora angustiada e melancólica. Em outro, ela ficava mal comportada e tinha alucinações. Anna oscilava entre os dois extremos. Sempre havia algo de um estado durante a manifestação do outro.

PARTE 2 – O DIAGNOSTICO

Durante duas semanas emudeceu por completo. Segundo Breuer, ela se sentira extremamente ofendida com alguma coisa e tomara a deliberação de não falar a esse respeito. “Quando adivinhei isso e a obriguei a falar sobre o assunto, a inibição, que também tornara impossível qualquer outra forma de expressão, desapareceu.” [Essa parece ser a primeira intervenção de Breuer: obrigar. Os efeitos foram positivos.]Anna passou a falar em inglês, e levou alguns meses para Breuer convence-la de que ela estava falando em inglês. [Outro tipo de intervenção de Breuer.]. Anna falava diferentes línguas de acordo com seu estado emocional. Quando falava francês e italiano, não lembrava das ocasiões que falava em inglês. Seu estrabismo diminuiu e dia 1 de abril saiu da cama. [dia da mentira!] Seu pai morreu dia 5 de abril. “uma violenta explosão de excitação foi acompanhada de um profundo estupor, que durou cerca de dois dias e do qual ela emergiu num estado acentuadamente modificado. No começo ficou muito mais tranquila, e seus sentimentos de angústia tiveram uma redução considerável”.

Passou a reconhecer apenas o Breuer. Anna queria falar. Breuer ouvia. Depois dessas sessões, ela ficava calma e alegre. [Terceiro tipo de intervenção: deixar falar.] Breuer fez uma viagem, e quando voltou Anna estava pior. À tardinha, Breuer lhe hipnotizava e descarregava sua mente, deixando-a falar sobre suas alucinações. Ele anotava o conteúdo e depois, sem hipnose, pedia para a paciente falar a respeito. De noite ela trabalhava, escrevia e desenhava. [Outra técnica: a hipnose.] Devido a impulsos suicidas, ela foi levada para o campo. Ela reagiu assim como frente a possibilidade de perder o pai: com medo, mas depois se acalmava. Seu estado piorou. Breuer seguiu com o método hipnótico e ouvindo os produtos de sua imaginação, e suas histórias tristes. Anna chamou o método de “talking cure”, e “limpeza pela chaminé”. Breuer tirou umas férias e Anna piorou. Seu estado de humor piorou. As histórias deram lugar a descrições de delírios com imagens estereotipadas e coisas que haviam lhe aborrecido nos últimos dias. Breuer levou Anna para Vienna novamente. Ela passou a contar de 3 a 5 historias por noite. Seu humor melhorou. Essas historias persistiam como estímulo psíquico que interferia na sua consciência normal, no seu comportamento, pensamentos e sentimentos, e precisavam ser narrados para deixar de atuar.

PARTE 3 - CATARSE

Seu estado de espírito passou a ficar angustiado, e Breuer não conseguia identificar nada preso, que precisasse de descarga. Ele se deu conta que eram relativos aos acontecimentos da mesma época, um ano antes. Uma consciência vivia no presente, e outra no passado. Alguns estímulos tinham a força de ativar sua condition seconde. Ela sabia estar usando um vestido marrom, mas o via como azul, porque estava fazendo um roupão azul para seu pai, com o mesmo tecido, um ano antes. Anna precisava descarregar os eventos do ano anterior, do presente e do período da incubação da moléstia (entre julho e dezembro de 1880). Anna lembrou-se da repugnância de ver o cão da patroa tomando água no copo, e a partir de então pode voltar a tomar água. As lembranças surgiam do presente para o passado. Quando o fato era descrito, o sintoma era eliminado. Assim, muitos sintomas foram removidos pela fala. [Breuer definiu o fator operativo da cura: a descrição]. O principal evento causador do sintoma vai surgir se o paciente manter o fio retrospectivo das recordações. [É preciso ter paciência e fé]. Anna paralisava seu relato se notasse alguma falha na cronologia dos eventos. Ela precisa coloca-los na ordem certa. [essa organização, freud vai falar em outro texto, é tão importante quanto atos ou palavras de tristeza e vingança, em termos de ab-reacao.]. Anna narrava fatos desinteressadamente, mas com riqueza de detalhes. [Anna está nos ensinando como se faz associação livre.] O sintoma surgia de acordo com a lembrança. A lembrança de uma caveira se mostrou constante, e impedindo o surgimento de outras lembranças. Breuer mandou que ela fosse buscar os estímulos evocadores da lembrança, pra ver o que acontece. Adiantou. Ela viu que a caveira estava relacionada com o pai. [Breuer inovando: expor o paciente a estímulos que ativem a memória. Isso parece a semente da compulsão a repetição, e da importância da re-significacao, proposta por Freud, em recordar repetir e elaborar (1914).]

PARTE 4 – A ORIGEM

Breuer se volta para a gênese da eclosão da doença, no período em que Anna cuidava do pai enfermo. Ele queria entender o que havia em potencial que só virou ato naquele contexto. Anna lembrou de estar esperando o cirurgião, de noite, e de ter devaneado uma cobra vinda da parede, que vinha morder o enfermo. Ela não conseguia afastar a cobra porque seu braço havia ficado dormente. Seus dedos pareciam cobrinhas, e as unhas pareciam caveiras. O apito do trem lhe acordou. Qualquer coisa semelhante a uma cobra gerava uma distenção no seu braço. Na manha seguinte Anna caiu de cama. Cada um de seus sintomas surgiu sob a ação de um afeto: Reprimiu as lágrimas; reprimiu uma “resposta a altura”, durante uma discussão; outra vez foi injustamente culpada; auto-recriminou-se pela vontade de dançar. Todos os sintomas desapareciam depois de Anna descrever sua primeira ocorrência. [Breuer está convicto de que é preciso descrever a primeira ocorrência.]. Foi preciso reproduzir a alucinação, para aliviar a pressão da seconde conscience.

PARTE 5 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASO (BREUER)

Duas características psíquicas que atuaram como causas de predisposição para sua subseqüente doença histérica: A) a vida familiar monótona, e B) seus devaneios. O fator A deixa livre um excesso de energia, e o fator B cria um grupo psíquico separado. Qualquer afeto angustiante e súbito passou a resultar em abscence. Dores e tragédias físicas e emocionais favorecem pra ruptura da saúde. Sem hipnose Breuer acha que não teria feito progresso algum, afinal, não tinha como acessar as lembranças e alucinações do segundo estado. [a saúde é o equilibro]. O estado secundário mais parecia um sonho, com memória seletiva, alucinações e lacunas entre as associações de ideias. Os produtos de seu “mau eu” afetavam seu senso ético mental. Se esses produtos não tivessem sido continuamente eliminados, ter-nos-íamos confrontado com uma histérica do tipo malévolo - teimosa, indolente, desagradável e rabugenta; mas o que se passava era que, após a remoção desses estímulos, seu verdadeiro caráter, que era o oposto de tudo isso, sempre ressurgia de imediato. [Que legal acreditar que toda a rabugentice, todo mau humor e ranzinzisse é decorrente de um conteúdo de uma segunda consciência interferindo no jeito natural de ser do ego, que é bacana, amigável, generoso, etc. Tambem achei importante a observação de que essas características negativas só se manifestam quando o ego fica fragilizado devido a pressões físicas e emocionais impostas pela realidade. Sao questões de convivência, são questões éticas. Aí está a maior contribuição da psicanálise pro social.] É importante lembrar que os produtos do seu estado secundários influenciavam o estado normal do psiquismo, e quando a seconde conscience estava agudamente presente, ela sente que havia um observador passivo, lúcido e calmo num canto de seu cérebro. Depois de ter sido curada, ela teve um episódio depressivo durante o qual ela se recriminava dizendo que nunca esteve doente e que tudo aquilo foi simulado. Ela se deu conta de tudo que aconteceu e considerava absurdo, que poderiam ter impedido, se quisessem, e que praticaram todo o mal de forma deliberada.


 
 
 

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