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Ciúmes é sinal de amor?

Atualizado: 18 de ago. de 2021


“se o ciúme é sinal de amor, como querem alguns, é o mesmo que a febre no enfermo; ela é sinal de que ele vive, porém uma vida enfermiça e mal disposta”. (M. Cervantes).



Sentir ciúmes é natural, contudo, dependendo da sua intensidade e de como se lida com ele, esse sentimento pode produzir muito sofrimento e prejuízos na vida de alguém. Um primeiro passo para quem quer entender o ciúme é reconhecer que por trás dele existem diferentes sentimentos, tais como a inveja, o medo, a raiva, a tristeza, a decepção, etc. Estudos de neuroimagem mostram que ele envolve diversos caminhos cerebrais em diferentes pessoas. Ao contrário de emoções básicas (felicidade, tristeza, medo/surpresa, raiva/nojo), o ciúme é um afeto de difícil reconhecimento tanto pelo sujeito quanto por aquelas pessoas que se relacionam com ele.

Na perspectiva evolucionista, o ciúme funciona como uma força que mantém os casais unidos, garantido a sobrevivência da família. O ciúme masculino estaria relacionado ao risco de cuidar de filhos que não carregam o patrimônio genético do pai. Por sua vez, o ciúme feminino estaria relacionado a ao perigo de cuidar da prole sozinha. Segundo essa teoria evolucionista, o homem ciumento geralmente apresenta reações agressivas, enquanto a mulher ciumenta tende a reagir de forma passiva, colocando-se na posição de vítima.

O psicanalista Christian Dunker, em seu livro intitulado “Ciúme”, comenta que diante da complexidade do sentimento, o ciúme é facilmente confundido com a inveja. Esta pode ser definida como o desejo de ter o que a outra pessoa possui. O ciúme, por outro lado, tem a ver com o desejo de possuir o desejo do outro, em um contexto triangular, (o sujeito ciumento + a pessoa amada + um terceiro indivíduo, de quem o ciumento tem ciúme). Uma criança, por exemplo, pode sentir inveja do amor que seu irmão está recebendo. O ciúme surge no momento em que a criança percebe que a mãe está oferecendo prazerosamente seu amor ao outro. O ciúme, portanto, é produto de uma interpretação sobre o desejo do outro. Neste sentido, é possível ver no ciúme uma manifestação egoísta. O ciumento quer possuir exclusivamente o desejo do outro. É como se o desejo do outro estivesse para o ciumento como o dinheiro está para o avarento.

Na infância, a criança passa pela prazerosa experiência de ser o objeto de desejo dos pais. Durante esse período, denominado de narcisismo, ela vê refletida no olhar dos pais uma imagem de si como ideal. A forma pela qual essa experiência foi vivenciada, e como ela terminou (ou não), tem um relevante papel na construção da autoestima. A dor sentida pelo adulto ciumento remonta à dor infantil de ter deixado de ser esse objeto de desejo dos pais. Em alguma medida, a autoestima do ciumento está condicionada ao desejo do outro.

Outra possibilidade de entender o ciúme é segundo o mecanismo de projeção, descrito por Freud. Neste caso, o ciumento não reconhece um desejo próprio, o qual é visto como se fosse do outro. É o caso, por exemplo, de um homem que recalcou seus desejos sexuais por outro homem, passando a ver tais desejos com se fossem da sua esposa. Dessa forma, surge o ciúme da relação da sua esposa com esse terceiro.

O ciúme também pode indicar uma mudança na relação amorosa. O que era um simples “ficar” passou a ser algo mais sério. Por isso, muitas pessoas acreditam que o ciúme é sinal de amor. Para Cervantes, autor de Dom Quixote, não é bem assim, afinal, “se o ciúme é sinal de amor, como querem alguns, é o mesmo que a febre no enfermo; ela é sinal de que ele vive, porém uma vida enfermiça e mal disposta”.

O ciúme é, antes de tudo, um sentimento. Assim, não deve ser considerado um transtorno. Os problemas decorrem da dificuldade de lidar com ele. Se por um lado ele pode levar ao controle e a restrição da liberdade do amado, por outro, ele pode levar o sujeito a fazer um exercício de reconhecimento do outro, de quem se tem ciúme, como portador de algum atributo que desperta o desejo e o interesse da pessoa amada. Daí surge a famosa pergunta do ciumento: “o que ele tem que eu não tenho?” A partir disso, é possível construir uma outra forma de relacionamento com o ser amado. Esse tipo de resposta amplia a liberdade, aproxima as pessoas e possibilita ao sujeito efetuar uma mudança de posição na trama das relações sociais.


 
 
 

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